Nietzsche, Gaia Ciência - Deus está morto: e fomos nós que o matamos
Nunca ouviram falar do louco que acendia uma lanterna em pleno
dia e desatava a correr pela praça pública gritando sem cessar:
“Procuro Deus! Procuro Deus!” Mas como havia ali muitos daqueles
que não acreditavam em Deus, o seu grito provocou grande riso.
“Ter-se-á perdido como uma criança?” dizia um. “Estará escondido?
Terá medo de nós? Terá embarcado? Terá emigrado?” Assim
gritavam e riam todos ao mesmo tempo. O louco saltou no meio
deles e trespassou-os com o olhar. “Para onde foi Deus?” exclamou,
é o que lhes vou dizer. Matamo-lo... Vocês e eu! Somos nós, nós
todos, que somos seus assassinos! [...] Não ouvimos ainda nada
do barulho que fazem os coveiros que enterram Deus? Ainda não
sentimos nada da decomposição divina? Os deuses também se decompõem!
Deus morreu! Deus continua morto! E fomos nós que o
matamos! Como haveremos de nos consolar, nós, assassinos entre
os assassinos! O que o mundo possui de mais sagrado e de mais
poderoso até hoje sangrou sob o nosso punhal. Quem nos há de
limpar deste sangue? Que água nos poderá lavar? Que expiações,
que jogo sagrado seremos forçados a inventar?