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Educação para o Futuro

 Por Que o Novo Ensino Médio Falha em Desenvolver o Pensamento Crítico?

 

No século XXI, marcado por rápidas transformações tecnológicas e uma avalanche de informações, o pensamento crítico tornou-se mais crucial do que nunca. Entretanto, o Novo Ensino Médio brasileiro, não parece estar à altura dessas demandas contemporâneas.

 

Antes de qualquer análise, é preciso reconhecer que o panorama educacional enfrenta desafios significativos. A abordagem fragmentada de disciplinas tradicionais persiste em grande parte do sistema, resultando em uma desconexão entre os conteúdos curriculares e a realidade vivida pelos alunos.  A própria estrutura hierárquica do sistema, muitas vezes focada em avaliações padronizadas e em um acúmulo excessivo de informações, não se coaduna com a ideia de fomentar o pensamento crítico e a autonomia. Além disso, a velocidade vertiginosa das transformações tecnológicas e a proliferação de informações distorcidas demandam uma preparação mais aprofundada para que os estudantes não apenas absorvam conhecimento, mas também saibam avaliar, questionar e aplicar de forma reflexiva.

 

Diante desse contexto desafiador, é necessário sim uma reforma do Ensino Médio e do sistema educacional como um todo. Mas, reformar para quê exatamente? Reformar para atingir qual objetivo? Se o atual modelo não nos leva onde queremos, qual rumo tomar?

 

Essas perguntas não são meramente retóricas, elas devem ser perguntas norteadoras para indicar o caminho que devemos seguir como sociedade, afinal, um barco que não sabe para onde vai, qualquer lugar serve, não é mesmo?

 

Por isso, precisamos destacar duas posições importantes nessa análise: a primeira delas é a de que a proposta do Novo Ensino Médio não dá conta dos desafios demandados pelo nosso tempo, pelo contrário, fica muito aquém de desenvolver o pensamento crítico em nossos jovens.

 

Em segundo lugar, o novo Ensino Médio indica uma tendencia ideológica que contribuirá para a ampliação, em vez da redução, das disparidades sociais tanto em termos econômicos quanto cognitivos.

 

Assim, essa reforma visa a consolidação de um sistema educacional dual, onde os estratos sociais mais vulneráveis seriam direcionados, de forma sutil, para funções técnicas e subalternas. Esse sutil direcionamento tem como objetivo claro perpetuar uma economia de baixos salários para os mais vulneráveis que não podem pagar uma educação de qualidade, ao passo que os segmentos mais privilegiados, menos afetados pelo novo NEM, continuariam a usufruir de um padrão educacional que os prepara para assumir cargos mais bem remunerados na estrutura social-econômica vigente.

 

Nessa perspectiva, a reforma parece inadvertidamente contribuir para a cristalização de problemas com raízes profundas, perpetuando o ciclo de desigualdade já existente. Essa reforma restringe o potencial coletivo do país, ao negligenciar talentos e capacidades que poderiam emergir de todas as esferas sociais.

 

É nesse sentido que a minha crítica ao Novo Ensino Médio é direcionada, apontando que ela carece de abordagens pedagógicas inovadoras – a maquiagem e a venda para a sociedade são de inovação, mas a estrutura proposta não possui nada de inovador – e principalmente falha ao diminuir a relevância de disciplinas estratégicas para o desenvolvimento do pensamento crítico, habilidade crucial para os novos tempos que vivenciamos.

 

O redimensionamento ou mesmo a exclusão de matérias como filosofia, história, arte e sociologia, frequentemente associadas ao cultivo da reflexão profunda e do questionamento fundamentado, sinaliza uma desconexão preocupante entre os objetivos declarados e a estrutura efetivamente implementada, demonstrando sua total falta de conexão com a real necessidade demandada pelas transformações tecnológicas do atual momento que vivenciamos

 

Ao reduzir a carga horária dessas disciplinas estratégicas, em benefício de uma série de penduricalhos pedagógicos chamados de “projeto de vida”, “empreendedorismo”, “pensamento computacional” e “educação financeira”, o sistema educacional não apenas nega aos estudantes a oportunidade de explorar conceitos complexos e perspectivas diversas, mas também mina a formação de uma base sólida para a análise crítica da sociedade e do conhecimento.

 

A diminuição da ênfase em disciplinas que historicamente têm fomentado a capacidade de questionar e contextualizar informações pode limitar os horizontes cognitivos dos alunos, tornando-os menos preparados para lidar com as complexidades do mundo contemporâneo, onde a habilidade de discernir entre informações verídicas e distorcidas (fake News) é crucial.

 

Em suma, a busca por um pensamento crítico robusto e preparado para os desafios tecnológicos do século XXI exige uma reformulação profunda do Ensino Médio e da Educação como um todo que visem a conjugação de um currículo interdisciplinar, projetos de pesquisa, debates, educação para a mídia e uma ênfase contínua na filosofia e ética, aliados à valorização dos professores e à flexibilidade dos espaços de aprendizado, cria um ecossistema educacional propício ao florescimento do pensamento crítico e à formação de cidadãos conscientes e autônomos.

 

Infelizmente, não é isso que vemos no Novo Ensino Médio!

 

Antonio Djalma Braga Junior. Filósofo e Historiador. Doutor em Filosofia. Professor Universitário, Consultor Associado na SabreEdtech, Diretor do Instituto de Tecnologia e Inovação Cidade Smart e Sócio-fundador da Planejando Sonhos.

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